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Postado 18 de julho de 2022

A Curitiba de Dalton Trevisan que foi, não é

Há um canteiro de flores na Marechal, pisado no dia seguinte, replantado logo depois. É o trabalho do Sísifo moderno que atende pelo nome de zelador urbano.

Não deem nome de rua a Dalton Trevisan. Melhor um painel de azulejos da ACGB/Vida Urbana com todos os seus haicais.

“Na mesa um feixe luminoso estraga o efeito das cinco velinhas. Mãe, apaga o sol”.

Só não lhe deem nome de rua. Curitiba, linhas certas, faixas tortas. Quem é que pisca aqui? Os carros não. Dobre à direita e o que vai piscando, quando vai, é a seta da esquerda. Ah, motoristas em sua confusão ideológica.

Vrummmm. Lá se foi o ás da pilotagem. Um na esquina da fulano com a sicrano. Outros cem na rápida da beltrano. Daltônicos de farol. Era uma vez o vermelho. Quantas ruas mais nas calçadas estreitas? Quantos carros mais nas vias de vai e vem? Ande a 40, rota mansa, pacífica, e lhe cegam os olhos no espelho retrovisor. Ninguém lhe vê. Ninguém os vê. Morcegos em debandada.

Há um canteiro de flores na Rua Marechal Deodoro, pisado no dia seguinte, replantado logo depois. É o trabalho hercúleo do Sísifo moderno que atende pelo nome de zelador urbano. Todas as portas de todas as ruas e nenhum ponto minúsculo de vida. O que foi da cidade? O que é da cidade? Vazia. Fantasma.

Automóvel, quando canta – cigarro do futuro, cigarro do presente –, dispara a buzina um milésimo de segundo depois de acionado o alarme. O que teria acontecido com o ancinho trocado pelo assoprador barulhento. Átila mora aqui onde não nasce grama. Do antipó viemos. Ao antipó retornaremos.

Motorista que se preze acorda às seis da manhã no frio tiritante do verão, entra no carro e percorre um quilômetro e meio até o parque para a caminhada matinal. É a fina ironia da cidade ecológica.

Na ida atropela o gambá do lote 486, um macaco sagui e o último jacu do mato que faz seu voo rasante antes de esticar as pernas. E as penas.

Na volta põe fim ao último sopro de vida do cão sarnento que atende por vadio. Minha terra tem cachorros que não latem como lá.

Ah, moça do vestido lilás, do celular lilás, do batom lilás. Eis o mustangue a seu dispor. Rodas cromadas, freios ABS, bancos de couro e 833 cavalos. Afora o Rocinante aqui.

Nunca mais tardes de sol. Nunca mais cadeiras na calçada. Nunca mais roupas no varal.

Curitiba, mais uma vez, me dê a mão. Última chance. Essa e outras mil. Que não seja mais, nunca mais, o ronco chato na esquina da minha manhã.

Coluna publicada no Diário Indústria e Comércio em 18 de julho de 2022.

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