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Postado 11 de julho de 2022

Um argentino em terras curitibanas

Professor da UFPR, teatrólogo, apaixonado pelo cinema, Hugo Mengarelli era um dos monumentos da cidade na cena viva.

Quase passou em brancas nuvens como passam as nuvens brancas (copyright Paulo Leminski), a morte do professor da UFPR, teatrólogo e cineasta Hugo Mengarelli, em abril, aos 76 anos. Nascido na Argentina, em 1946, Mengarelli morava no Brasil há mais de três décadas e, ainda assim, recusava-se a perder o sotaque de Rosário, cidade onde nasceu. Era uma das suas marcas.

A passagem de Mengarelli por Curitiba – especialmente pela UFPR, onde era professor desde a década de 70 – está intimamente ligada com memória da capital e com sua história. Ele era um dos monumentos da cidade na cena viva. E era também um apaixonado pelo cinema.

Ficaram famosas, em especial, as suas aulas no curso de pós-graduação em cinema da Universidade Tuiuti do Paraná. Em 2004, os alunos receberam a visita-surpresa do cineasta Francis Ford Coppola e Mengarelli se viu tão entusiasmado com a presença do diretor de “O Poderoso Chefão” durante a exibição de um filme que, ao se deslocar para  o outro lado da sala, certamente para se aproximar de Coppola, tropeçou nos fios de projeção pelo caminho, derrubando o aparelho de DVD e o projetor do telão. Só depois de acionado o técnico e restabelecida a conexão foi possível prosseguir com a exibição.

Mengarelli costumava também brigar com os controles remotos. Se não os trocava um pelo outro, confundia seus botões. E era nessa hora que seu espanhol ficava aguçado e os impropérios tomavam o rumo de volta à sua cidade natal.

Mengarelli era um estudioso do teatro, estudou artes cênicas, foi ator, escreveu peças , mas era no cinema que todos os seus caminhos se cruzavam. Em suas aulas, ia às minúcias com os filmes dirigidos por Brian de Palma. Ele apreciava, em especial, o modo como o diretor fazia deslizar a câmera por cenários históricos das locações, fosse em Nova York, fosse em Los Angeles ou São Francisco.

Em “Dublê de Corpo”, filme de 1984, Palma usa um conjunto arquitetônico moderno como cenário para contar a história de um assassinato. Mengarelli preparou com grande pompa a exibição do filme na aula de cinema, avisou os alunos com antecedência, orientou os técnicos e fez questão que deixassem à vista o controle remoto bem identificado para que pausasse as cenas no momento que julgasse adequado. No dia da aula, eis o professor satisfeito por apresentar aos pupilos o melhor da arte do cinema. Só falta o filme. E onde ele foi parar? Revirado o bolso do casaco, a bolsa, as gavetas da mesa de exposição e Mengarelli descobre que não trouxe o DVD. Sorte, sorte mesmo, que um dos alunos dispunha de uma cópia em VHS. Era só o caso de achar o aparelho adequado e, entre atrapalhos e feridos, salvariam-se todos. Mengarelli, em suas atribulações, era por si só um personagem único.

Coluna publicada no Diário Indústria e Comércio em 11 de julho de 2022.

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