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Postado 21 de novembro de 2022

Quem afinal é o Jack Bobão?

Onde era um grafite, agora jaz uma parede cinza e uma triste empena cega (foto). É um caso de naufrágio cultural de quem sabe muito bem como fazer isso.

Chame de desgaste de equipamento ou assemelhado, mas o fato é que o terceiro mandato do prefeito Rafael Greca – que já prepara o vice, Eduardo Pimentel, para sucedê-lo – claudica, tonteia, declina e se precipita. E quando se olha demasiado dentro de um abismo, o abismo acaba por olhar para você. Greca protagonizou o naufrágio da nau Capitânia, nos 500 anos do descobrimento, e disse algo acerca do olor dos paupérrimos que quase lhe custou a eleição em 2016. Agora, fez mais. Ele que sempre se jactou ser um apreciador da arte, pôs abaixo um grafite que havia se tornado icônico em Curitiba: a de Jack Bobão, personagem de Jack Nicholson no filme “O Iluminado”, pintado na fachada de um condomínio nas proximidades do Teatro Guaíra.

Em sua edição de outubro, o jornal digital Expresso Condomínio – www.expressocondominio.com.br – trouxe com destaque uma reportagem sobre murais gigantes que decoram e valorizam condomínios em todo o mundo. O grafite de “Jack Bobão” estava entre eles, o de “Ray Charles” – belíssimo – idem. Acontece que tinha um Greca no meio do caminho. No meio do caminho tinha um Greca.

Por razões insondáveis, fiscais da prefeitura vinham multando sistematicamente o edifício Inter Walter Sprengel, que autorizou e investiu R$ 20 mil no grafite, para que retirasse a pintura, alegando que se tratava de “publicidade de filme”. Santa ignorância. Moacir Stelzner, síndico do prédio, levou a discussão para os tribunais e, por fim, foi obrigado a se render. Onde era um grafite, agora jaz uma parede cinza e uma triste empena cega (foto). É um caso de naufrágio cultural de quem sabe muito bem como fazer isso.

Os paradoxos são muitos. Citemos alguns deles. Na época em que o painel foi inaugurado, em 2013, a própria prefeitura – não sob Greca – fez postagem em rede social destacando a obra. O painel, parte do projeto “Motion Layers”, que reuniu grafiteiros de Curitiba, foi viabilizado por meio de Lei Municipal de Incentivo à Cultura e patrocinado por um shopping.

Agora que Inês é morta e “Jack Bobão” também, assistimos à cena patética em que o prefeito encarrega o mesmo artista de pintar outro grafite no espaço, obra que será financiada, acredite, pela Lei de Incentivo à Cultura.

Greca, em seu velho estilo, culpou o “mensageiro”. A responsabilidade é do ruído de comunicação entre a Secretaria Municipal de Urbanismo e o proprietário do imóvel. Porém, já se afirmou aqui, que o síndico lutou bravamente para impedir que a pintura fosse apagada. O síndico que representa os proprietários do condomínio e provavelmente é proprietário também.

Em nota, a SMU deixou evidente que não foi ruído de comunicação. O grafite foi apagado por falta de alvará. Considerou-se, até o limite do absurdo – e estamos falando do Teatro de Absurdo de Ionesco –, que a autorização do condomínio para a confecção de uma obra artística não era suficiente. Era preciso o carimbo da burocracia que, aliás, continuou a insistir que “Jack Bobão” era uma propaganda cinematográfica. Política e cultura decididamente não se misturam. O prefeito, que naufraga agora e que já naufragou por mares nunca dantes navegados, deveria ter aprendido a lição.

Coluna publicada no Diário Indústria e Comércio em 21 de novembro de 2022.

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